Após um longo passeio nas vielas do medo,
sentei no meio de uma rua colorida. Cores tão intensas quanto as que existem
nas vielas do morro. Voltei correndo aos becos da solidão. Preto, cinza, azul
marinho e branco. Uma música clássica de fundo e um vento forte batendo no meu
longo vestido. As lembranças do bar e a saudade de casa. As noites mal
dormidas. Os pecados que motivaram a infelicidade estavam estampados em fotos
nas paredes da sala de uma casa antiga. O telefone não funcionava e o disco não
parava de tocar.
Um grito vindo lá de fora, mas a porta estava
trancada. Uma menina pequena implorando socorro e eu não podia fazer nada.
Vida. O que significa esse pequeno nome? Por
que a arte de respirar e sentir, recebeu esse nome? Nada de dicionários agora,
não preciso saber o que imundos e terceiros explicaram as pessoas comuns. Quero
entender por mim mesma.
Acho que vou voltar a minha teoria de criança.
Quando eu tinha uns dez anos, achava que a
vida foi uma mulher que sofreu muito por todos e por isso que Deus usou o nome
dela pra intitular a arte de respirar e sentir. Eu sei que é uma teoria sem
explicação, mas eu era mais feliz quando acreditava nisso.
O disco começa a tocar invertido e as palavras
viram um contrato com a morte. “EU ESTOU FALANDO DE VIDA, DA PRA ESPERAR UM
POUCO?” gritei e o disco disse que iria esperar.
As cinzas da lareira eram resto de pessoas que
se foram. Os papéis que enrolavam drogas eram certidões de nascimento de
pessoas que assinaram algo com aquele disco. Fui até o segundo andar da casa e
abri uma janela que iluminou e derreteu quadros daquele quarto cinza. Comecei a
cantar alto, uma música que dizia no refrão “Liberdade está presa na cadeia do
ser humano, no fim da inocência, do lado do dinheiro...”. O disco se enfureceu
e me mandou calar a boca. Sorri e parei de cantar. Olhei pra trás e percebi que
o quarto estava manchado com um pouco de tinta rosa. Foi ai que comecei a
entender muita coisa sobre a menina que se chamou Vida. “Eu não vou estar aqui
quando amanhecer. Minhas malas já estão arrumadas pra foto do adeus”. O disco
ficou arranhado na parte que dizia felicidade. O rosa começou a tomar conta do
quarto, as portas se abriram e os móveis derreteram formando tinta. A menina
entrou correndo e abraçou minhas pernas. “Estamos livres, vem!”, eu disse a ela,
que logo me respondeu:
- Do que adianta desafiar os cenários e as
vozes ocultas e ainda sim ser infeliz?
- Precisa de mim? – Sentei ao lado dela – Quer
que eu fique?
- Não, mas eu sei quem precisa de você. – Ela pegou
uma caixa com um laço vermelho. – Vai pra casa, vai... Eu estou bem.
- Tudo bem, mas quem é você?
- Meu nome é infância...
E mais uma vez, um sorriso sincero nasceu no
meu rosto. Esse mesmo sorriso que me acompanhou até em casa. Chegando lá, abri
a caixa e vi uma fantasia de boneca. Vesti e comecei a rir em frente ao espelho
do meu quarto. Sentei no chão e vi um bilhete ao lado da cama. Não consegui
controlar as lágrimas de felicidade. Sai correndo até a rua e deixei lá o
bilhete mais lindo que já recebi! O bilhete que dizia: “Obrigada por ter se lembrado
de mim. Nunca mais me deixe. Um beijo da sua querida Infância.”.
Cindy Ximenes
Cindy Ximenes
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